Dos 36 hospitais de Porto Alegre, 33 estão irregulares junto ao Corpo de Bombeiros por falta do alvará que valida o Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI) – ou seja, 91,7%. As exceções são o Hospital Ernesto Dornelles, o Hospital Moinhos de Vento e o Sanatório São José, com certificados válidos até dezembro deste ano, julho de 2023 e janeiro de 2024, respectivamente. Entre as instituições de saúde, 13 sequer protocolaram o projeto nos bombeiros para avaliação de eficácia.
Um dos que seguem irregulares é o Hospital Fêmina, que teve parte da estrutura consumida pelo fogo em 16 de fevereiro. O incidente revelou que a instituição continua sem o alvará do PPCI, chamado também de APPCI, mesmo depois da Lei Kiss, que em 2013 fechou o cerco contra a negligência na prevenção contra incêndio. O Fêmina protocolou o plano nos bombeiros em 1999, mas nunca concluiu o processo para obtenção do alvará.
?– O APPCI sinaliza que a edificação possui tudo o que a legislação prevê. Que o prédio tem todos os itens projetados no PPCI – explica o chefe da Divisão de Segurança Contra Incêndio do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre, major Ederson Fioravante Lunardi.
– Sem o alvará, não podemos afirmar que a edificação é segura – complementa João Leal Vivian, diretor do Sindicato dos Engenheiros do Estado (Senge-RS).
No caso do Hospital Ernesto Dornelles, o alvará tem validade até dezembro de 2019 por ter sido concedido conforme termos anteriores à Lei Kiss – quando a fiscalização era compartilhada entre prefeitura e bombeiros. A instituição informou que, "em tempo hábil", entrará com o pedido de renovação.
Com a nova legislação, todos os hospitais devem se adequar à lei atual até o fim deste ano. O Hospital Moinhos de Vento e o Sanatório São José já estão regularizados conforme a Lei Kiss. Já o Blanc Medplex Hospital está localizado em um condomínio com alvará válido até maio de 2022. Segundo os bombeiros, no entanto, o alvará é inadequado para o tipo de estrutura: o documento permite apenas o funcionamento de uma ocupação com espaço ambulatorial, sem nenhum tipo de internação.
O processo de obtenção do alvará começa com projeto de engenharia, o PPCI, que deve ser entregue ao Corpo de Bombeiros com detalhes sobre posição dos extintores, rotas de fuga, rampas de acessibilidade e uma série de outros apontamentos que possibilitem o combate inicial a chamas e a ágil saída do imóvel. Precisa ser entregue e aprovado pela corporação. Feito isso, a casa de saúde passa a ser responsável pela implementação das medidas no imóvel.
Concluídas as obras, uma equipe dos bombeiros analisa, in loco, se o que foi colocado no papel condiz com as medidas implementadas no hospital. Havendo compatibilidade entre prédio e PPCI, a corporação emite o alvará.
Quando há irregularidade, seja no projeto de engenharia quanto na execução, os bombeiros solicitam correções. A lei atual limita em 30 dias o período de adequações, mas nem sempre o prazo é cumprido. Isso faz com que a regularização se estenda por anos, principalmente por não haver previsão legal de multa por demora entre aprovação do PPCI e pedido de vistoria para emissão do alvará, conta o major do Corpo de Bombeiros.
– A legislação deixou uma brecha. Não tem sanção para quem está com o PPCI aprovado por nós e não encaminha o APPCI – pontua Lunardi.
Outro fator para a demora é a burocracia, principalmente no caso de prédio público, que precisa de licitação para a realização das obras. Segundo o oficial, o custo das adequações também trava o processo, pois são necessários acertos estruturais, como rampas, saídas de emergência e luzes de sinalização, para garantir a eficiência do plano.
Quatorze hospitais estão com o PPCI em fase de ajustes e apenas oito têm o projeto aprovado pela corporação, mas cinco seguem sem o alvará. É o caso do Hospital da Criança Santo Antônio, que teve o PPCI aprovado em outubro de 2017, mas, desde então, não solicitou vistoria para emissão do alvará (confira abaixo a situação de cada instituição).
– Isso mostra que o poder público não está fazendo o seu papel fiscalizador, acompanhando os processos – critica Leal, que também é engenheiro civil e pesquisador em engenharia de segurança ao incêndio pela Universidade de Coimbra, de Portugal.
Coordenador do comitê de normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e diretor da Escola de Engenharia da UFRGS, Luiz Carlos Pinto da Silva Filho lembra que a prevenção foi desprezada pelas instituições até a criação da Lei Kiss e que isso culminou em um "passivo muito grande de irregularidades".
– Durante esse adormecimento, prédios foram construídos sem cuidados necessários, e agora há dificuldades em fazer as adaptações em edificações complexas, como hospitais – avalia, comparando o PPCI com seguro de carro: – Enquanto não acontece acidente, ambos são vistos como custo em vez de investimento.
O promotor Heriberto Roos Maciel, da Promotoria de Justiça Habitação e Defesa da Ordem Urbanística de Porto Alegre, informou que irá abrir inquérito civil para fazer com que as instituições cumpram a legislação de prevenção contra incêndio.
O BALANÇO
Dos 36 hospitais em Porto Alegre:
13 não apresentaram PPCI aos bombeiros
14 têm PPCI em tramitação
8 têm PPCI aprovado, mas só 3 conseguiram alvará por estarem com prédio e projeto em conformidade
1 tem alvará válido, mas inadequado para o tipo de estrutura
O QUE DIZEM AS INSTITUIÇÕES
GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO
O grupo disse estar trabalhando, nos hospitais Conceição, da Criança Conceição e Cristo Redentor, para fazer as modificações solicitadas pelo Corpo de Bombeiros. Quanto ao Hospital Fêmina, explicou ter iniciado o processo licitatório para confecção do PPCI.
HOSPITAL DE CLÍNICAS
O hospital garantiu que equipes "estão trabalhando nas adequações e a expectativa é de obter a aprovação do plano no decorrer deste ano".
BRIGADA MILITAR
A instituição disse que o PPCI do Hospital da Brigada Militar está em fase de elaboração e deve ser protocolado ainda no primeiro semestre.
PREFEITURA DE PORTO ALEGRE
A prefeitura informou que, em relação ao Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, "o PPCI corre em fase de regularização. No mês de fevereiro foi recebida a última avaliação dos bombeiros e a mesma foi encaminhada pra a empresa responsável".
COMANDO MILITAR DO SUL (EXÉRCITO)
Conforme o Comando Militar do Sul, que administra o Hospital Militar de Área de Porto Alegre, "estudos, obras e melhorias estão em curso para adequação às exigências para formalização junto aos órgãos normativos".
PUCRS
O Hospital São Lucas aguarda que os bombeiros agendem a visita de vistoria para emissão do alvará.
SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE
O órgão público disse que o PPCI do Hospital Sanatório Partenon está tramitando na Secretaria de Obras Públicas, mas não estimou data para envio aos bombeiros. Em relação ao projeto do Hospital Psiquiátrico São Pedro, explicou que a solicitação de vistoria depende da finalização das obras de readequação, também sem prazo.
SANTA CASA DE MISERICÓRDIA
A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre esclareceu que os PPCIs dos hospitais Santa Clara e Santa Rita serão protocolados até o fim deste mês. O projeto do Hospital São Francisco tem previsão de entrega aos bombeiros em abril. No caso do Hospital São José, a Santa Casa informou que uma empresa terceirizada está elaborando PPCI com "medidas compensatórias específicas para que todos os critérios da legislação sejam atendidos considerando as restrições de uma edificação antiga".
Quanto ao Hospital da Criança Santo Antônio, esclareceu que "estão previstas obras de adequação", mas que "todas as obras são executadas conforme a disponibilidade de verbas para melhorias, reformas e ampliações". Já em relação ao Hospital Dom Vicente Scherer, a Santa Casa afirmou que protocolou PPCI conforme "legislação antiga", mas que a "atualização faz parte do cronograma de regularização geral". Por fim, a instituição informou que a correção no PPCI da Santa Casa de Misericórdia "está em conclusão e será protocolada no Corpo de Bombeiros" ainda neste mês.
INSTITUTO DE CARDIOLOGIA
O Instituto de Cardiologia informou que está instalando detectores de fumaça e sinalização. A instituição ainda ponderou que o hospital funciona em prédio antigo e que, por esse motivo, terão de ser definidas medidas compensatórias.
UFRGS
O Hospital de Clínicas esclareceu que a estrutura é composta por diferentes prédios com mais de um PPCI e que, nos casos de processos ainda em andamento, as equipes estão trabalhando nas adequações. A expectativa é de obter a aprovação do plano ao longo de 2019.
ASSOCIAÇÃO HOSPITALAR VILA NOVA
A Associação Hospitalar Vila Nova ponderou que assumiu o Hospital da Restinga e Extremo-Sul em agosto de 2018 e que está trabalhando nas adequações para renovação do PPCI, que serão entregues ao longo do mês de março. Sobre o Hospital Vila Nova, a associação enviou à reportagem declaração do Corpo de Bombeiros atestando, em 2017, que o hospital tem requisitos mínimos de prevenção e proteção contra incêndio. A casa de saúde disse, ainda, que encaminhou nova versão do plano aos bombeiros e a aguarda resposta da corporação.
BANCO DE OLHOS
O hospital alegou que aguarda esclarecimentos do Corpo de Bombeiros, pois a corporação teria comunicado que faria vistoria no prédio após reforma em andamento. A obra, segundo a casa de saúde, "não tem nenhuma correlação com as exigências solicitadas e que já foram atendidas". Os bombeiros informaram que irão atender quando for possível.
DIVINA PROVIDÊNCIA
A Rede de Saúde Divina Providência informou que o Hospital Divina Providência deu entrada em seu processo de regularização formal junto ao Corpo de Bombeiros — o qual atende à quarta reanálise. Sobre o Hospital Independência, esclareceu que está em andamento aos ajustes necessários no prédio para a revalidação do PPCI.
ASSOCIAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS MUNICIPAIS
A Associação dos Funcionários Municipais Porto Alegre, proprietária e mantenedora do Hospital Porto Alegre, informou que, após mudança da legislação, elaborou novo projeto, que será entregue e protocolado na próxima semana.
BLANC MEDPLEX HOSPITAL
O Blanc Medplex Hospital informou que o condomínio onde a instituição está localizada tem alvará válido até maio de 2022, o que foi confirmado pelos bombeiros. Mas, segundo a corporação, o alvará permite apenas o funcionamento de uma ocupação com serviço ambulatorial, sem nenhum tipo de internação. A assessoria de imprensa do hospital não respondeu ao novo questionamento de GaúchaZH.
GRUPO MÃE DE DEUS
O Grupo Mãe de Deus, responsável pelos hospitais Giovanni Battista, Santa Ana, Mãe de Deus e do Câncer Mãe de Deus, optou por não se manifestar.
OUTROS GRUPOS
A reportagem não obteve resposta dos hospitais HPS, Beneficência Portuguesa e Espírita de Porto Alegre.
Fonte: 2019 © SENGE-RS.